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Dez equívocos no diagnóstico das intolerâncias à carboidratos
Vera Ângelo Andrade
Os carboidratos são moléculas de grande importância biológica formadas principalmente por carbono, hidrogênio e oxigênio.
A absorção dos carboidratos ocorre no intestino delgado, porém quando não adequadamente absorvidos são fermentados por bactérias colônicas produzindo dióxido de carbono, hidrogênio e metano. Parte destes gases é absorvida no cólon e a outra permanece no lúmen.
O excesso de gases no intestino pode levar a sintomas de distensão abdominal, cólicas e alterações do hábito intestinal. Esses sintomas são decorrentes da Intolerância aos Carboidratos e podem ser diagnosticados usando o Teste do Hidrogênio Expirado. Neste artigo avaliamos 10 situações que dificultam o diagnóstico das intolerâncias.
1º: Não entender a diferença entre Alergia e Intolerância Alimentar.
O primeiro equívoco no diagnóstico das intolerâncias a carboidratos é a grande confusão entre os conceitos de alergia e intolerância alimentar. Muitos pacientes procuram assistência médica relatando reação a alimentos e atribuem tais incômodos a “alergia”. No entanto, na maioria dos adultos estes sintomas são causados por intolerância alimentar.
A alergia alimentar ocorre a partir de resposta exacerbada do sistema imune (mediado ou não pela Imunoglobulina E – IgE) após ingestão de alguns alimentos. Por outro lado, a intolerância não está relacionada a reação imunológica, mas decorre de reação adversa a alimentos de caráter não imune. A intensidade dos sintomas da intolerância alimentar depende da dose ingerida e dos mecanismos de digestão do carboidrato.
2º: Dificuldade em correlacionar os sintomas com o alimento ingerido.
Na prática clínica é difícil estabelecer a correta associação entre a ingestão de um alimento suspeito e o desenvolvimento do sintoma relatado pelo paciente, uma vez que o aparecimento das queixas pode ser tardio. Como identificar qual alimento causa sintoma em uma refeição com vários alimentos? A melhor opção é a execução de um diário alimentar detalhado e avaliado adequadamente pelo médico ou nutricionista.
3º: Não conhecer as intolerâncias a Rafinose e FODMAPs.
Pacientes e médicos desconsideram ou mesmo desconhecem as intolerâncias a carboidratos complexos (rafinose) e a FODMAPs, sigla em inglês para Fermentable Oligosaccharides, Disaccharides, Monosaccharides and Polyols (Oligossacarídeos, Dissacarídeos, Monossacarídeos e Polióis fermentáveis). Ambas podem manifestar-se com sintomas semelhantes às intolerâncias mais comuns como a lactose e frutose.
4º: Ignorar que os sintomas de intolerância a carboidratos podem ser similares a outras condições gastrointestinais.
Dor abdominal, inchaço e alteração do hábito intestinal são sintomas inespecíficos que podem ocorrer em várias doenças funcionais ou orgânicas, com ou sem intolerância a carboidratos. Por exemplo, a intolerância a lactose pode ser primária (deficiência de lactase) ou ser secundária a doença intestinal inflamatória ou doença celíaca. Logo, essas condições patológicas podem trazer fatores confundidores. Destaca-se ainda que há uma grande sobreposição entre ocorrência de intolerância a carboidratos (especialmente a lactose) e a síndrome do intestino irritável (ambas altamente prevalentes em nosso meio).
5º: Solicitar o Teste de Sensibilidade Alimentar – IgG 221 Alimentos.
Embora o teste do IgG seja amplamente divulgado na mídia, o mesmo não tem comprovação científica e não deve ser solicitado. Testes inadequados como este podem prejudicar seriamente o diagnóstico dos pacientes. O posicionamento do Grupo de Alergia Alimentar da Associação Brasileira de Alergia e imunologia é: “os resultados positivos não devem ser interpretados como indício de alergia e consequentemente não se pode estabelecer dietas restritivas de qualquer alimento com base neste tipo de teste”.
6º: Interpretar erroneamente os resultados dos testes do hidrogênio exalado.
Os Testes Respiratórios são considerados o padrão ouro para o diagnóstico de intolerância a carboidratos, tais como lactose, frutose, e frutano. Apesar disso, cuidados devem ser tomados na interpretação dos resultados desses testes. Falso-positivos podem ocorrer quando há rápido aumento da concentração do H2 expirado, em situações como disbiose da cavidade oral, supercrescimento bacteriano do intestino delgado ou trânsito intestinal rápido.
Falsos-negativos ocorrem em pacientes com microbiota não produtora de hidrogênio e também se o tempo de trânsito orocecal for lento, ou seja, superior a três horas do teste. A realização do teste com medição de metano, além do hidrogênio, melhora sua sensibilidade, porém o mesmo é pouco disponível no Brasil.
7º: Confundir má absorção com intolerância a carboidratos.
Para que os resultados dos testes de intolerância a carboidratos sejam adequadamente interpretados é fundamental correlacionar os resultados com os sintomas clínicos durante o exame ou até 24 horas do mesmo. A imagem a seguir representa um exame de teste de intolerância a lactose que é realizado por 180 minutos, com elevação dos níveis de H2 aos 150 minutos, indicando má absorção desse carboidrato. É obrigatória a verificação de sintomas, pois, apenas se presentes, o diagnóstico de intolerância é firmado.
É importante destacar que se os sintomas aparecem precocemente após ingestão do substrato a ser testado, devem estar relacionados com dispepsia secundária à distensão gástrica e não com intolerância.
8º: Superdiagnosticar a intolerância a carboidratos.
Alguns pacientes relatam sintomas com doses mínimas de carboidratos, por exemplo à lactose no revestimento de alguns comprimidos, o que cientificamente não pode ser explicado. Um estudo duplo-cego, mostrou que a ingestão de menos de 10 g de lactose raramente induz sintomas abdominais.
Porém, 73% dos testados relataram sintomas após a ingestão de 40 g de lactose. Pode-se concluir que os testes sanguíneos para pesquisa de intolerância à lactose não deveriam ser solicitados na prática clínica por usarem doses elevadas de lactose (50 g) e superestimar os diagnósticos.
9º: Considerar sintomas inespecíficos como intolerância.
Pacientes relatam sintomas como má digestão, gases, cefaleia e alteração de hábito intestinal após a ingestão de carboidratos, em especial a lactose. Mas quais sintomas podem ser realmente relacionados à intolerância? Dos sintomas relacionados à intolerância a carboidratos a diarreia é o mais bem estudado. Os sintomas são proporcionais a quantidade ingerida e não absorvida de carboidratos como lactose e frutose. Por outro lado, uma pequena quantidade de FODMAPs pode ser suficiente para causar sintomas.
10º: Excluir indiscriminadamente carboidratos da alimentação para fazer prova terapêutica de intolerância.
Muitos pacientes têm optado por retirar carboidratos da alimentação sem qualquer orientação nutricional. O mesmo tem ocorrido com o glúten. Ambos são considerados por muitos como “vilões alimentares”. Essa retirada pode levar a erros diagnósticos. Por exemplo, o paciente retira o leite, mas continua ingerindo derivados e conclui que não tem intolerância à lactose, uma vez que o leite foi retirado da dieta e os sintomas permaneceram. Outro problema frequente é excluir o feijão e substituí-lo por outro carboidrato complexo (ex: lentilha), o que obviamente causará a manutenção dos sintomas.
O diagnóstico de Intolerância a Carboidratos nem sempre é fácil. No entanto, quando ele é embasado em anamnese detalhada, norteado por um diário alimentar e confirmado pelo teste de hidrogênio expirado, pode ser mais facilmente realizado.
Este conteúdo foi produzido pela PEBMED, em parceria com Vera Lucia Angelo Andrade de acordo com a Política Editorial e de Publicidade do Portal PEBMED.
Referências bibliográficas:
Referências bibliográficas:
Hammer H, Hammer J, Fox M. Mistakes in the management of carbohydrate intolerance and how to avoid them. UEG education, 2019.
Andrade VLA, et al. Dieta restrita de FODMEPs como opção terapêutica na síndrome do intestino irritável: revisão sistemática. GED gastroenterol. Endosc. dig. 2014: 34(1): 34-41. https://sbhepatologia.org.br/pdf/2015_edicao1_artigo6.pdf
ASBAI. Posicionamento do Grupo de Alergia Alimentar da ASBAI. Disponível em: http://sbai.org.br/imagebank/2016-09-26-teste-de-igg-satement-so-ASBAI.pdf
Andrade VLA, et al. Manual Prático do Teste Respiratório do Hidrogênio Expirado: Intolerâncias a Carboidratos e Supercrescimento Bacteriano do Intestino Delgado. 2019.
Wilt TJ, et al. Lactose intolerance and health. Evid Rep Technol Assess. 2010; 192: 1–410….
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Vera Ângelo Andrade
Graduação em Medicina pela UFMG em 1989, Residência em Clínica Médica/Patologia Clínica pelo Hospital Sarah Kubistchek, Gastroenterologista pela Federação Brasileira de Gastroenterologia, Especialista em Doenças Funcionais e Manometria pelo Hospital Israelita Albert Einstein, Mestre e Doutora em Patologia pela UFMG,Sócia proprietária da Clínica Nuvem Medicina BH.