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Atualização do manejo da Doença do Refluxo Gastroesofágico Refratária
Vera Ângelo Andrade
A doença do refluxo gastroesofágico (DRGE) é uma das doenças gastrointestinais mais frequentes. A condição é definida com base nos sintomas e/ou em lesões resultantes do refluxo do conteúdo gástrico para o esôfago. A terapia é comumente baseada em inibidores da bomba de prótons (IBPs) e alginatos como terapia complementar. Os IBPs são eficazes na cicatrização de lesões e na melhora dos sintomas na maioria dos casos. Entretanto, existe uma proporção significativa de pacientes, variando de 10 a 40%, cujos sintomas não respondem adequadamente à terapia com IBP. Essa condição, comumente conhecida como “DRGE refratária” (rDRGE) representa um importante problema de saúde, tendo em vista seu impacto na qualidade de vida.
O que é doença do refluxo gastroesofágico refratária?
A definição de rDRGE é controversa, pois nunca foi claramente estabelecida, a mais comumente usada é: sintomas (azia retroesternal e/ou regurgitação) presentes pelo menos 3 vezes por semana, sem resposta a uma dose dobrada de IBP por 8 a 12 semanas. Deve-se enfatizar que essa definição é apenas clínica, não levando em consideração a necessidade de evidências objetivas de DRGE baseadas em achados endoscópicos e monitoração de pH-impedância. O último consenso das Sociedades Europeia e Americana de Neurogastroenterologia e Motilidade, de acordo com recomendações recentes, definiu sintomas refratários de DRGE como a persistência dos sintomas sob terapia, em pacientes com evidência objetiva prévia de DRGE (esofagite erosiva, estenose péptica, esôfago de Barrett de segmento longo ou exposição ao ácido esofágico anormal no monitoramento de refluxo realizado fora da terapia) e DRGE Refratária como persistência dos sintomas de DRGE com evidência objetiva de DRGE (por meio de achados endoscópicos e de impedância de pH) apesar da terapia otimizada com IBP por pelo menos 8 semanas.
Como diagnosticar doença do refluxo?
Pacientes com sintomas de refluxo persistentes devem ser submetidos a uma via diagnóstica com o objetivo de confirmar o diagnóstico de DRGE, é importante excluir comorbidades ou medicamentos que podem agravar o refluxo. A endoscopia digestiva alta com biópsia deve ser indicada para identificar a presença de esofagite erosiva, esôfago de Barret e/ou para descartar outras causas de lesões esofágicas, como a esofagite eosinofílica. Se negativo, outros testes devem ser realizados. É sugerido a realização de pHmetria de 24 horas sem o uso de IBP e a realização da impedâncio-pHmetria em uso de IBP para aqueles casos de pacientes com diagnóstico de DRGE mas sem resposta adequada a dose dobrada de IBP. A manometria esofágica de alta resolução deve ser realizada para detectar distúrbios esofágicos sem refluxo, que podem ter queixas semelhantes aos de pacientes com DRGE e para posicionamento de cateter de pHmetria ou impedâncio-pHmetria. Identificar o fenótipo do paciente com DRGE Refratária por meio do monitoramento da impedâncio-pHmetria de 24 horas é crucial para permitir o manejo adequado com base nos mecanismos fisiopatológicos. Se há suspeita de sintomas decorrentes do retardo do esvaziamento gástrico, recomenda-se a realização de cintilografia ou teste respiratório.
Quais são as principais etiopatogenias da doença do refluxo refratária?
As potenciais causas de DRGE Refratária são: uso incorreto dos inibidores de bomba de prótons (adesão, dose e modo de uso), metabolização dos IBPs, escolha do IBP, presença de refluxo não ácido e refluxo biliar. O enfraquecimento da barreira fisiológica antirrefluxo desempenha um papel na promoção da DRGE Refratária. A barreira antirrefluxo é uma área de alta pressão que consiste no esfíncter esofágico inferior (EIE) que é fixado na crura diafragmática através do ligamento esofágico e evita o refluxo gastroesofágico. A redução da integridade da mucosa esofágica é determinada principalmente pela redução da pressão de repouso do EIE, especialmente na presença de hérnia hiatal e do relaxamento transitório do EIE, o que leva a um aumento no volume e no tempo de exposição ácida. Existe uma potencial contribuição da obesidade (especialmente obesidade central) na promoção da DRGE Refratária devido ao aumento da pressão intra-abdominal. Outros fatores contribuintes são o clareamento esofágico atrasado, gastroparesia e hipersensibilidade esofágica.
Como deve ser o tratamento da doença do refluxo refratária?
O tratamento deve ter como alvo mecanismos fisiopatológicos específicos. Como medidas não farmacológicas, a mudança no estilo de vida deve incluir perda de peso de pelo menos 10%, interrupção do tabagismo e elevação da cabeceira da cama. Alguns estudos evidenciam que mudanças na alimentação objetivando aumento da motilidade esofágica, como aumento no consumo de fibras, podem aumentar significativamente a pressão basal do EIE e um ensaio clínico mostrou que uma dieta rica em FODMAP’s, particularmente frutanos, aumentou o número de relaxamentos transitórios do EIE. O tratamento farmacológico ideal é com IBPs, quando os sintomas persistem apesar do uso algumas medidas podem ser tomadas. É importante reforçar o uso correto da medicação (ingerir em jejum seguido por uma refeição em no máximo 30 minutos), é sugerido dobrar a dose por dois a três meses (o uso duas vezes ao dia é superior do que a dose dobrada uma vez ao dia). A tentativa de substituir por outras formulações de IBPs (liberação lenta), trocar a molécula ou a marca também é válida.
Uma possível estratégia terapêutica eficaz pode incluir um bloqueador de receptor histamínico H2 no período da noite, para aqueles que tem sintomas noturnos. O uso do alginato, antiácido e protetor de mucosa esofágica é muito difundido e bem aceito para controle de sintomas e sem grandes efeitos colaterais. As soluções com alginato de sódio formam uma barreira física ao chamado “acid pocket” que não é completamente eliminado pelos IBPs.
Os bloqueadores de ácido competitivo de potássio (PCABs) inibem competitivamente as bombas de prótons e são aprovados no Japão desde 2015 para o tratamento de úlcera péptica, esofagite de refluxo e erradicação do H. Pylori. O Vonoprazan tem demonstrado maior capacidade de supressão ácida com maior duração do que os IBP’s. Sua eliminação é independente da enzima CYP2C19.
Os procinéticos podem ser utilizados quando a DRGE Refratária está associada a gastroparesia. Nos casos de refluxo fracamente ácido ou refluxo biliar o Baclofeno pode ser uma opção e na hipersensibilidade ou hipervigilância esofageana os inibidores de recaptação da serotonina e da norepinefrina podem ser utilizados. Terapias alternativas como psicoterapia estão se tornando cada vez mais populares nos pacientes com DRGE Refratária uma vez que fatores psicológicos podem piorar os sintomas esofágicos. Terapia cognitiva comportamental envolvendo respiração diafragmática, hipnoterapia e acupuntura também são mencionados como abordagens interessantes para pacientes selecionados.
Nos casos de falha ao tratamento não invasivo, as terapias cirúrgicas devem ser consideradas. Identificar os pacientes com rDRGE é crucial pois a cirurgia ou terapia endoscópica pode ser a melhor opção de tratamento para este grupo. A opção mais utilizada é a cirurgia antirrefluxo mas, outros métodos menos invasivos têm sido sugeridos na última década, como a Fundoplicatura Transoral sem incisão (TIF), alargamento magnético do esfíncter (LINX) e a terapia por radiofrequência (STRETTA). Os objetivos da fundoplicatura cirúrgica são reposicionamento do EIE no abdome, correção da hérnia hiatal e criação de uma válvula. O sucesso varia de 67% a 95% dependendo principalmente da seleção do paciente e avaliação pré-operatória. Até 30% dos pacientes desenvolverão complicações estruturais, um excesso de constrição da fundoplicatura pode ocasionar em disfagia. A manometria de alta resolução no momento do diagnóstico e antes da cirurgia pode ser útil em excluir alterações na motilidade esofágica e na avaliação do vigor e reserva contrátil.
A DRGE Refratária é uma condição complexa e a persistência dos sintomas está frequentemente associada a mecanismos fisiopatológicos envolvendo sistemas fora do trato gastrointestinal e ainda não é totalmente compreendida. Além disso, os sintomas não dependem apenas da presença de refluxo. A estratégia de primeira linha deve sempre incluir uma reavaliação completa dos fatores dietéticos e de estilo de vida, reiterando o uso correto do IBP, suas modalidades e dosagens. A terapia farmacológica adicional deve ter como alvo a fisiopatologia subjacente, levando em conta resultados de testes diagnósticos (manometria, impedancio-pHmetria e cintilografia de esvaziamento gástrico). É importante lembrar que a terapia com IBP deve sempre ser titulada até a dose mínima eficaz a fim de prevenir potenciais efeitos colaterais de longo prazo. Os alginatos e os agentes protetores da mucosa podem ser uma alternativa válida quando usados como terapia adjuvante aos IBP’s, dada a ausência de efeitos colaterais significativos. Quando o manejo farmacológico falha, opções invasivas antirrefluxo devem ser avaliadas, a opção padrão ouro ainda é a Fundoplicatura.
Este conteúdo foi produzido pela PEBMED, em parceria com a Vera Lucia Angelo Andrade de acordo com a Política Editorial e de Publicidade do Portal PEBMED.
Em colaboração com Gabriela de Souza Bueno
Graduação pela Faculdade de Medicina de Barbacena (2011 – 2017); Residência Médica de Clínica Médica no Hospital Risoleta Tolentino Neves – FUNDEP (2018 – 2020); Especialização em Gastroenterologia pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP de Ribeirão Preto – SP (2020-atual).
http://lattes.cnpq.br/0616700696968688
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Vera Ângelo Andrade
Graduação em Medicina pela UFMG em 1989, Residência em Clínica Médica/Patologia Clínica pelo Hospital Sarah Kubistchek, Gastroenterologista pela Federação Brasileira de Gastroenterologia, Especialista em Doenças Funcionais e Manometria pelo Hospital Israelita Albert Einstein, Mestre e Doutora em Patologia pela UFMG,Sócia proprietária da Clínica Nuvem Medicina BH.