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Disfagia secundária à clozapina: uma relação negligenciada
Vera Ângelo Andrade
Tempo de Leitura: 3 minutos
Disfagia é a sensação subjetiva de dificuldade de deglutir. Do grego dys: com dificuldade; phagia: comer. Várias são as causas de disfagia, entre elas desordens neurológicas, neuromusculares, obstrução esofágica ou anatômica e disfagia induzida por drogas.
O quadro abaixo mostra possíveis causas de disfagia (quadro 1).
Quadro 1: Etiologias das disfagias
Os três primeiros tipos são bem conhecidos, porém a disfagia causada por drogas normalmente é esquecida. Drogas com ação sobre a musculatura estriada têm potencial de causar disfagia, em especial as usadas em anestesia. Drogas que leva a xerostomia, também podem levar a disfagia, entre elas citam-se os inibidores seletivos de serotonina e os antidepressivos tricíclicos.
Vários medicamentos podem levar a disfagia por lesão direta na mucosa esofágica. Neste grupo devem-se destacar os medicamentos contendo ácido (clidamicina, doxaciclina, tetraciclina, ácido ascórbico, ácido acetilsalicílico), os contendo ferro e os anti-inflamatórios não esteroides. Disfagia como efeito colateral pode ocorrer com drogas com ação anticolinérgica ou antimuscarínica, tais como atropina, homatropina ou escopolamina.
Disfagia secundária à clozapina
Neste artigo, gostaríamos de destacar os antipsicóticos ou neurolépticos que bloqueiam receptores dopaminérgicos, que podem resultar em síndrome extrapiramidal (similar ao Parkinson) ou discinesia tardia.
O que motivou o presente artigo foi o retardo diagnóstico de dois pacientes que usaram clozapina e desenvolveram sintomas de disfagia e sialorreia. Quadro clínico que era justificado pelo quadro esquizofrênico de base. Estes pacientes evoluíram para aperistalse esofágica. É fundamental destacar o desconhecimento por parte dos clínicos, gastroenterologistas e dos psiquiatras desta relação.
O uso da clozapina pode estar associado a distúrbios de deglutição, constituindo em um achado raro, porém que pode ter curso dramático. Esta droga atua como antagonista em receptores serotoninérgico (5-HT2A), dopaminérgicos (D1, D4), alfa-adrenérgicos, colinérgicos e histamínicos. A clozapina é considerada um antipsicótico atípico, sendo um dos fármacos mais utilizados no tratamento da esquizofrenia por atuar no controle tanto dos sintomas positivos, quanto negativos; resultando em redução de mortalidade e em manejo de ideações suicidas.
A esquizofrenia é um dos transtornos psiquiátricos mais graves e, muitas vezes, de complexo manejo terapêutico. Alucinações, delírios, embotamento afetivo e déficits psicossociais são os sintomas mais frequentes.
Em dois casos clínicos por nós atendidos, a associação entre disfagia, aperistalse e a terapêutica com clozapina foi aventada. Em ambos, a manometria esofágica confirmou o diagnóstico de aperistalse e o fármaco foi substituído. Em um deles houve regressão da disfagia e da sialorreia. A peristalse retornou a normalidade após um ano da retirada da droga. O outro paciente foi a óbito por asfixia por obstrução mecânica por alimento após três meses do diagnóstico.
A figura 1 mostra a aperistalse em uso de clozapina e a figura 2 melhora da peristalse com a retirada do medicamento.
Figura 1: aperistalse em uso de Clozapina | Fonte: banco de imagens da autora.
Figura 2: peristalse com a retirada da clozapina | Fonte: banco de imagens da autora
Concluímos que a aperistalse secundária ao uso de clozapina é rara e pouco conhecida por psiquiatras ou gastroenterologistas, demonstrando a relevância deste relato. O conhecimento desse efeito colateral é de extrema importância para que o diagnóstico seja precoce e para que as complicações e a mortalidade sejam evitadas. A formulação de um plano terapêutico com equipe multidisciplinar é necessária para a melhor abordagem do paciente esquizofrênico.
Em conjunto com: Lucas Brandão Damasceno Góes. Acadêmico do 9° período de Medicina da Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais.
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Publicação: Pebmed
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Vera Ângelo Andrade
Graduação em Medicina pela UFMG em 1989, Residência em Clínica Médica/Patologia Clínica pelo Hospital Sarah Kubistchek, Gastroenterologista pela Federação Brasileira de Gastroenterologia, Especialista em Doenças Funcionais e Manometria pelo Hospital Israelita Albert Einstein, Mestre e Doutora em Patologia pela UFMG, Sócia proprietária da Clínica Nuvem Medicina BH.