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Impacto dos probióticos no tratamento e na prevenção de doenças comuns na infância
Dra. Vera Ângelo
A forte associação entre microbiota, saúde e doença, desperta o interesse no emprego de probióticos para prevenir ou curar doenças.
A indicação do uso de probióticos no tratamento e prevenção de doenças comuns na infância, tais como cólica do recém nascido, enterocolite necrotizante, diarreia (aguda e crônica) e dermatite atópica, tem recentemente atraído muita atenção. O estudo do papel do ecossistema do intestino humano, com mais de mil bactérias diferentes e células hospedeiras interagindo entre si é instigante. Considerando a forte associação entre microbiota, saúde e doença, tem havido muito interesse no emprego de probióticos para prevenir, aliviar ou curar doenças específicas.1 É relevante destacar os benefícios imunológicos que o estímulo da microbiota não é apenas local, mas também sistêmico.
Como se forma a microbiota humana saudável? O período gestacional até os primeiros 1.000 dias de idade da criança é crucial na formação de uma microbiota saudável e diferentes estímulos nesta fase podem interferir na construção, no desenvolvimento e no amadurecimento do sistema imune, com capacidade de mudanças epigenéticas. Por isso são relevantes fatores na gestação tais como, dieta, hábitos de vida, ganho de peso, uso de medicações, no estabelecimento microbiota intestinal humana.2 A via de parto também é muito importante. Parto cesárea resulta na maior concentração de Firmicutes e de menos Bacteroidetes até pelo menos 3 meses de vida, alteração esta que pode estar correlacionada com maior risco de desenvolvimento de obesidade, de diabetes tipo 1 e de atopias.3 Fatores protetores seriam parto normal, clampeamento tardio, o imediato contato com a pele da mãe e o aleitamento materno; uma vez que o leite humano também possui componentes que favorecem a colonização intestinal ideal, com predomínio do gênero Bifidobacterium e pela diminuição das Enterobacteriaceae.4
O que são Probióticos?
Probióticos são microrganismos vivos que, quando administrados em quantidades adequadas, conferem benefício à saúde do hospedeiro e que podem ser encontrados em alimentos fermentáveis ou nas formas comerciais como cápsulas, comprimidos, pós ou soluções.5 As ações terapêuticas dos probióticos incluem: melhora da barreira intestinal, modulação do sistema imunológico e do sistema nervoso, competição com patógenos por nutrientes e produção de substâncias antimicrobianas. O mecanismo pelo qual os probióticos exercem tais efeitos ainda não está totalmente elucidado.6,7
Os gêneros de probióticos mais estudados são Bifidobacterium, Lactobacillus, Streptococcus, Enterococcus e Bacillus, que podem se prescritos isoladamente ou em combinação.6 A associação de cepas deve ser prescrita com cuidado, pois há risco do uso simultâneo não ser sinérgico, mas inibitório ao competirem por sítios de adesão 8.
Apesar dos benefícios relatados na literatura, os dados relativos à sua segurança e efeitos adversos dos mesmos ainda são escassos. Os probióticos são seguros para a maioria dos indivíduos, porém o uso em vulneráveis, tais como lactentes prematuros, pacientes críticos e imunocomprometidos não deve ser indicado.6 Destaca-se que, o ambiente intrauterino, a via de parto e o tipo de aleitamento são os fatores mais relevantes na formação da microbiota, que seria tão única como uma impressão digital. Porém, a composição da microbiota intestinal pode ser alterada ao longo da vida, pelo aumento do índice de massa corporal, dieta pobre em fibras, com alto teor de açúcar, gordura e proteína animal, além de fatores ambientais.
Considerando o relevante papel dos probióticos, surge então uma importante questão: será que a reposição de probióticos em pediatria poderia trazer algum benefício em entidades patológicas comuns em pediatria?
Probióticos e Cólica Infantil
A cólica infantil é definida como choro intenso por pelo menos três horas por dia, pelo menos três dias por semana, durante pelo menos três semanas. A cólica infantil afeta um grande número de bebês e suas famílias, por isso o seu uso na prevenção e tratamento desta cólica tem despertado muito interesse. Ong et al.9 em revisão sistemática Cochrane avaliaram a eficácia e segurança dos probióticos na prevenção ou redução da gravidade das cólicas infantis. Foram incluídos probióticos, sozinhos ou em combinação com prebióticos, versus nenhuma intervenção ou placebo. Concluíram que não há evidências claras de que os probióticos sejam mais eficazes que o placebo na prevenção de cólicas infantis; no entanto, o tempo de choro diário pareceu diminuir com o uso de probióticos em comparação com o placebo, o que deve ser considerado na prescrição.
O grupo de trabalho da Sociedade Europeia de Gastroenterologia, Hepatologia e nutrição pediátricas (ESPGHAN) propõe que não se pode fazer uma recomendação a favor ou contra o uso de quaisquer dos probióticos em relação a prevenção de cólica infantil.10 Caso o pediatra opte pelo uso de probióticos na cólica infantil, a prescrição deve ser criteriosa e avaliada caso a caso.
Diarreia Infecciosa aguda e prevenção da diarreia por antibióticos
Collinson et al.11 em revisão da Cochrane que incluiu 82 estudos com 12.127 participantes, sendo destes 11.526 crianças (idade < 18 anos), concluíram que os probióticos fazem pouca ou nenhuma diferença no número de crianças que têm diarreia com duração de 48 horas ou mais, e não há certeza se os mesmos reduzem a duração da diarreia. Concluem ainda que a análise é baseada em grandes ensaios com baixo risco de viés.
Por outro lado, as recomendações da ESPGHAN10 para o uso dos probióticos no tratamento de crianças com gastroenterite aguda estão sumarizadas na Tabela abaixo.
Metanálises concluíram que os probióticos (Lactobacillus rhamnosus ou Saccharomyces boulardii) tiveram efeito moderado na prevenção da diarreia associada aos antibióticos em crianças, com redução da duração da diarreia de quase um dia.12
Probióticos e dermatite atópica
Dermatite ou eczema atópico é uma doença crônica da pele que apresenta erupções pruriginosas mais evidentes em regiões de flexura, ressecamento de pele e de etiologia desconhecida e com impacto negativo sobre a qualidade de vida das crianças. Pode estar associada a asma ou rinite alérgica. O diagnóstico é clínico. O tratamento pode ser realizado com anti-histamínicos e corticóides, no entanto, esses medicamentos podem ter efeitos colaterais e os sintomas podem reaparecer rapidamente após a interrupção do tratamento, o que motiva estudos sobre a prevenção da mesma. O papel dos probióticos na dermatite atópica foi avaliado em vários estudos científicos, sendo o Lactobacillus rhamnosus GG uma das cepas mais estudadas.13 Wang et al.14 em recente estudo avaliaram a eficácia dos probióticos na dermatite atópica, sendo que trinta e sete estudos randomizados foram incluídos, com casuística de 2.986 crianças no grupo experimental e 3.145 no grupo controle. A meta-análise mostrou que os probióticos foram superiores ao placebo na prevenção dermatite atópica, sendo mais significativa nos seguintes grupos: mães e bebês, antes e depois do parto, Lactobacillus rhamnosus ou probióticos mistos; sendo o tempo de acompanhamento ≤2 anos. Esta meta-análise mostrou que intervenção probiótica pode ser eficiente na prevenção da dermatite atópica, especialmente quando administrados antes e depois do nascimento.
Conclusão
Os probióticos são microrganismos vivos que oferecem benefícios à saúde do hospedeiro. Há estudos que mostram sua efetividade no tratamento e/ou na prevenção de distúrbios gastrointestinais (cólica infantil e diarreia) e também na prevenção da dermatite atópica em crianças. O mais efetivo impacto dos probióticos na prevenção de doenças comuns na infância foi observado na Dermatite atópica, sendo a cepa mais eficaz o Lactobacillus rhamnosus GG. Porém, ao prescrever, o profissional de saúde deve sempre considerar que as recomendações de uso variam de acordo com as cepas, dose, forma e condições clínicas das crianças.
Referências bibliográficas:
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Vera Ângelo Andrade
Graduação em Medicina pela UFMG em 1989, Residência em Clínica Médica/Patologia Clínica pelo Hospital Sarah Kubistchek, Gastroenterologista pela Federação Brasileira de Gastroenterologia, Especialista em Doenças Funcionais e Manometria pelo Hospital Israelita Albert Einstein, Mestre e Doutora em Patologia pela UFMG,Sócia proprietária da Clínica Nuvem Medicina BH.